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17 de junho de 2011

Acidente no Rio

A pequena avenida próxima de casa estava fechada para uma feira mensal que os moradores faziam para trocar, vender, divulgar trabalhos e coisas de interesse geral, eu estava andando de uma ponta até a outra daquela feira para poder passar o tempo, não aguentava conversar com os vendedores frenéticos por muito tempo.

Avistei o carro do meu pai em um declive algumas ruas depois da feira, decidi ir até lá. Coloquei minhas mãos nos bolsos e fui até minha mãe para pegar as chaves (meu pai sempre as deixava com ela, precisamente, em sua bolsa) - mãe, onde o meu pai está? - ela escolhia alguns discos antigos para sua coleção de poeira, não ouviu o que eu disse, apenas me viu e jogou sua bolsa em meu colo - segura pra mãe, tenho que escolher alguns desses pra minha coleção - o vendedor me encarou, mas eu só precisava das chaves, encontrei-as e devolvi a bolsa para minha mãe - diga a seu pai que vamos dentro de uma hora - concordei e sai em busca de meu pai, as chaves em meu bolso traseiro.

Depois de avisar meu pai sobre ir para a casa (ainda não entendo o porquê de estar ali de carro sendo que morávamos tão perto) fui até o carro, contente, excitado, com medo de levar uma bronca, mas eu gostava desse medo. Apertei o botão para destravar as portas e olhei para a feira, não consegui identificar ninguém, entrei no carro, fechei a porta e encaixei a chave em seu devido buraco, girei-a, soltei o freio de mão e o carro começou a descer de costas, arrumei a marcha, pisei na embreagem e a soltei lentamente enquanto eu pisava no acelerador - consegui - o carro estava andando para a frente agora, acelerei um pouco mais, fiz uma longa curva, passando por cima da calçada e agora eu estava descendo de frente.

Fiz a curva e comecei a seguir por uma rua que daria na avenida, senti um frio na barriga quando olhei para o rio do lado de baixo, eu não gostava daquele frio na barriga. Outro carro veio em minha direção, ele havia saído da avenida e entrado na rua onde eu estava, provavelmente ele iria na feira, continuei devagar, olhei para o rapaz que dirigia, ele parecia com sono, tinha sangue no rosto e manuseava o carro com apenas uma mão, ele parou no meio do aclive quando um homem entrou em sua frente, era meu pai. Ele correu em minha direção, pensei em acelerar e correr dali, mas o castigo seria pior - um rapaz de dezesseis anos dirigindo o carro do pai, SEM O PAI - ele gritava sobre responsabilidades e polícia e responsabilidades - já entendi, me desculpe pai - o carro da polícia passou pela avenida, senti medo novamente.

Meu pai se aproximou do meu ouvido para cochichar algo - aquele rapaz que passou por você, ele está com algum ferimento grave, está pálido e com uma mão na cintura, acho que ele foi baleado - pensei em dizer "meu Deus, vamos chamar a polícia", mas não disse, apenas olhei para o carro com o pensamento de ajudá-lo - pai, vamos levar ele para o hospital, é logo ali - meu pai pareceu concordar, abriu a porta do carro para pegar as chaves e ao se levantar viu o carro da polícia entrando naquela rua - filho, vai até o carro do rapaz, sente-se no banco de motorista, rápido - vi a viatura e percebi que o policial parecia mais interessado no carro cheio de mulheres que passou logo atrás dele do que nos carros suspeitos ali parados. Ele foi até meu pai.

Abri a porta do carro do rapaz, ele parecia estar dormindo, jovem, uns vinte e quatro anos talvez - vamos te ajudar rapaz, chega pra lá - ele não se moveu, empurrei ele para o banco do passageiro, ele era pesado, foi difícil fazê-lo ir para o outro banco, quando consegui empurrá-lo, ouvi um 'crack' seguido de um gemido dele, ele realmente estava baleado - vou te levar para um hospital, agora eu sei dirigir - ele gemia, isso era bom e o carro já estava andando para trás - O QUE ESTÁ ACONTECENDO? - me desesperei, o carro estava descendo de costas, droga, ele deve ter passado em cima do freio de mão, droga, droga, droga. Entrei em desespero, só consegui pensar no rio - O RIO, DEUS! - ele parecia ter desmaiado, girei a chave, não pegou, tentei novamente, não pegou, o carro estava mais depressa, o carro não queria funcionar, devia ter morrido ou sei lá o que dizem quando o carro não pega - vamos pular para fora do carro antes que ele caia no rio - ele não parecia interessado, ele parecia estar morto.

Decidi ficar com ele, caso o carro realmente caísse no rio, eu queria ajudá-lo (ele realmente não tinha cara de marginal, mas parecia ter fugido deles), o carro bateu em uma árvore e a derrubou para dentro da água, meu pai e o policial pareciam assustados com o baque, antes do carro cair na água só consegui ouvir meu pai gritando meu nome enquanto o policial dizia o nome da rua e chamava pelo corpo de bombeiros. As janelas estava abertas - não vou te deixar morr... - não consegui terminar a frase, a água estava entrando pela janela enquanto o carro afundava lentamente, vi fungos passeando pelos meus olhos, pequenos peixes desesperados, segurei o braço do rapaz para tirá-lo do carro junto comigo, mas ele havia ficado preso em algo, consegui ver meu pai me gritando e acenando para eu ir até ele (pensei em deixar o garoto morrer), tomei fôlego e voltei para dentro d'água, o carro estava totalmente submergido. Nadei até a janela por onde eu havia saído, o garoto estava com um braço pra fora dela, engolindo água, seus olhos estavam entreabertos suplicando por ajuda (pelo menos parecia suplicar), fui até lá, segurei-o pelo braço e o puxei com força impulsionando meus pés contra a porta do carro, nadei até a superfície, a água ao nosso redor estava ficando vermelha, meu pai foi o primeiro a me estender a mão, mas antes lhe dei a mão do garoto. Estávamos salvos.

Eu estava zonzo quando saí da água, um policial me parabenizou com um tapa no ombro, consegui rir, mas tudo parecia em câmera lenta, vi o carro dos bombeiros parado próximo ao rio, vi minha mãe chorando nos braços do meu pai, vi a multidão de curiosos e o céu azul claro pouco antes de tudo escurecer.

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